No Acre cinema não é indústria, é semente e quem planta sabe que um dia floresce


O cinema brasileiro nasceu da vontade de se enxergar na tela. No estado do Acre, esse anseio chegou com o cheiro dos seringais, das fazendas, miscigenado, com resistência e cedência; e por isso, foi e está sendo feito pelas mãos daqueles que ousaram filmar onde poucos enxergavam a sétima arte.

Nesta quinta-feira, 19, comemora-se o Dia do Cinema Nacional. Aproveitando a oportunidade, a Agência de Notícias do Acre vem por meio desta matéria celebrar à história, os profissionais e às contribuições que o governo do Acre tem feito para com está forma de arte.

Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, foi a primeira imagem captura por uma câmera de filmagem no Brasil. Foto: reprodução

Em entrevista para Rádio Agência Nacional, a professora do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Pará (UFPA), Ana Cláudia Melo, comenta sobre o significado a data de 19 de junho: “Esta data nos remete a uma manhã de domingo de 19 de junho de 1898, dia e ano em que muitos estudiosos consideram ter acontecido aquela que foi a primeira filmagem no Brasil. Uma filmagem feita a bordo de um navio, por um italiano chamado Afonso Segreto. Cineasta fez algumas tomadas ou vistas da Baía de Guanabara quando chegava ao Rio de Janeiro, após uma viagem à Europa e aos Estados Unidos”, afirmou.

Sobre a outra possível data de comemoração, dia 5 de novembro de 1896, quando Segreto, considerado o primeiro cineasta nacional, realizou, em parceria com o irmão, Pascoal Segreto, a primeira exibição pública de um documentário feito por eles sobre a praia de Santa Luzia.

Como os dois acontecimentos foram memoráveis, alguns atribuem o Dia Nacional do Cinema Brasileiro ao dia 19 de junho, outros o comemoram em 5 de novembro.

Considerado o primeiro cineasta nacional, Afonso Segreto filmou a Baía da Guanabara, enquanto estava a bordo do navio Brèsil, em 19 de junho de 1898. Foto: reprodução

Desta forma, celebrar o Dia do Cinema Brasileiro pode ser também olhar para os extremos; para quem, mesmo longe dos grandes centros, faz da câmera um instrumento de memória e luta. No Acre, o cinema não é indústria. É semente. E quem planta, sabe que um dia floresce.

Retratos Fantasmas

Se no Rio de Janeiro o cinema nasceu pelo mar, no Acre ele floresceu entre seringueiras e histórias invisibilizadas. Na cidade de Rio Branco, segundo Mauricélia Sousa, citada por Micheline Pereira, em sua dissertação “No Escurinho do cinema” (2002), o cinema teria chegado no início da década de 1910, mais especificamente, em 1912. Segundo ainda a mesma dissertação, os responsáveis pela chegada do cinema a cidade foram empresários ambulantes.

Segundo o Dr. Hélio Smoly, professor de Teoria da História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), da Universidade Federal do Acre (Ufac), no texto intitulado “Acre(anos) de cinema: das salas escuras ao streaming”, a primeira sala exibidora que temos notícia foi o cinema Elo de Ouro, que ficou instalado no Villa Rio Branco, anexo do Hotel do Commercio, em 1913.

Cine Teatro Recreio, Rio Branco, AC. Fonte: Biblioteca IBGE

O Cinema Olympia foi inaugurado em 27 de abril 1913, no salão do Bar Polytheama, e em 1916 foi inaugurado o Cinema Ideal, que ficou em atividade de 1916 a 1917. Contudo, uma das características dessas casas exibidoras foi a sua não perenidade. Todas foram fechadas antes do início da década de 1920. A exceção fica por conta da sala exibidora Cinema Ideal que foi vendida para a firma Leonel & Cia e passou a se denominar Éden Cinema.

Construído em madeira com a fachada feita em alvenaria, o Éden Cinema teve uma boa duração e foi bastante influente em Rio Branco. Contudo, o espaço da sala exibidora do Éden Cinema, a partir de 1948, passou por nova denominação e passou a se chamar Cine Theatro Recreio. A primeira película exibida na inauguração foi o filme Gilda (1946), estrelada por Rita Hayworth. A inauguração desta sala exibidora com a nova identidade ocorreu em 13 junho de 1948. A data foi escolhida em virtude das comemorações do “aniversário” da cidade de Rio Branco.

Rita Hayworth no filme Gilda de 1946. Foto: Columbia Pictures

Vale destacar que essas salas exibidoras foram posteriormente denominadas de cinemas de calçada. Após a ascensão e declínio das salas exibidoras dos anos de 1910 a 1920 surgiram na capital o Cine Rio Branco e o Cine Acre, ambos, cinemas de calçada.

Nesses cinemas, os filmes exibidos, em sua maioria, era produções do cinema estadunidense, tais como filmes de western (no Brasil, conhecido como filmes de faroeste), filmes de lutas marciais (supostamente chinesas), pornochanchadas e alguns filmes nacionais apelativos, tais como E Ela Tornou-se Freira (1972) ou Coração de Luto (1967) da dupla Teixeirinha e Mary Terezinha. Hoje em dia as salas exibidoras seguem a tendência do resto do país: cinemas de shopping.

1ª câmera do cinema acreano, uma super 8mm da marca “Yashica”; atualmente em propriedade de Antônio Evangelista (Tonivan). Foto: Reprodução/Hélio Moreira da Costa Junior

Os pioneiros a produzir filmes no Acre foram os integrantes do grupo Ecaja Filmes, que mesmo com dificuldades extremas, resolveram fazer essa arte complexa e muito cara no meio da floresta amazônica. Em 1972 é criado o Estúdio Cinematográfico de Jovens Acreanos (Ecaja) e naquele mesmo ano já estava sendo produzido o primeiro filme longa-metragem do grupo: Fracassou Meu Casamento (1973) com roteiro de João Batista, o Teixeirinha do Acre, e Adalberto Queiroz, com direção por conta de João Batista. O auge do grupo Ecaja foi de 1972 a 1982 quando foram produzidos seis longa-metragem em super-8 mm.

Apesar disso, ou talvez devido a essas dificuldades, ainda há cineastas acreanos produzindo essa arte complexa, tais como: Adalberto Queiroz, Antônio Evangelista (Tonivan), Silvio Margarido; e existe uma turma nova se movimentando, criando e recriando; os novos cineastas são: Ney Ricardo, Teddy Falcão, Ítalo Rocha, Marcelo Zuza, Carina Cordeiro, Isabelle Amsterdam e Sérgio de Carvalho que com o filme Noites Alienígena (2022) arrebatou os prêmios, no Prêmio Grande Otelo do Cinema Brasileiro, de melhor ator de longa-metragem, melhor longa-metragem, melhor roteiro adaptado, melhor maquiagem, melhor montagem, melhor trilha sonora e ganhou melhor filme também no voto popular; colocando o Acre em definitivo na cena do cinema brasileiro, sendo inclusive exibido na plataforma de streaming Netflix.

Cinema acreano se caracteriza por ser uma arte de resistência. Resistência às dificuldades técnicas, de financiamento e outros aspectos. Foto: cedida

Segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine), por meio de dados publicados no documento Mercado Cinematográfico: Informe Anual 2024, o Preço Médio do Ingresso (PMI) para o Acre é de R$17,53 em 2024, valor inferior à média nacional de R$ 19,88.

O estado do Acre possui sete salas de cinema, número relativamente baixo, sendo o estado com menos salas do país. A grande maioria das salas estão localizadas na capital, Rio Branco, e uma no município de Cruzeiro do Sul. Em 2024, as salas receberam 320.908 espectadores, gerando uma renda de R$ 5.624.016.

A frequência de público per capita no Acre foi de 0,36 ingressos por habitante, abaixo da média nacional de 0,59. O estado apresenta uma média de 125.804 habitantes por sala de cinema, enquanto a média nacional foi de 60.565 habitantes por sala.

Ainda Estou Aqui

Resistir e esperançar, ações necessárias para todos que fazem cinema no Acre. Como citado pelo professor Hélio Smoly, há uma “turma” nova se movimentando, criando e recriando a sétima arte. Os cineastas Teddy Falcão e Isabelle Amsterdam são exemplos de cineastas que apesar, ou devido às dificuldades, sabem que é necessário ouvir as histórias e os silêncios.

Cineasta Teddy Falcão. Foto: cedida

“Fazer cinema no Acre, para mim, é uma forma de resistir e existir. É olhar para o nosso território com a consciência de que há histórias potentes por trás das paisagens, dos rostos e dos silêncios. É romper com a lógica de que só os grandes centros produzem narrativas relevantes e mostrar que aqui também pensamos, sonhamos e transformamos a realidade com imagens e sons”, afirmou o cineasta Teddy Falcão, quando questionado sobre o que representa fazer cinema no Acre.

Para Amsterdam, fazer cinema no Acre a transformou significativamente: “Sem dúvida, fazer cinema no Acre me transformou muito, porque aqui temos todas as dificuldades e barreiras para desenvolver técnica e tecnologia, que não é barata e é desafiadora. Quando se lida com a indústria cinematográfica no eixo Rio-São Paulo, há a opção de locação de equipamento, câmeras, som, toda a logística, tudo é mais fácil; diante disso, acredito que se requer bem menos criatividade do que aqui, onde os desafios são maiores.”

Isabelle Amsterdam na abertura da Mostra Norte Delas de Cinema. Foto: Felipe Freire/Secom

Ambos os artistas concordam que fazer cinema é lidar com desafios: desde acesso a equipamentos, passando por formação técnica até circulação e visibilidade; mas é justamente nesse contexto que o ato de criar se torna mais urgente e verdadeira. No Acre não há profissionais que são somente diretores ou diretoras, mas também diretores meio produtores, meio roteiristas, meio diretores de arte, meio captadores de áudio. É preciso criar com o que se tem e são esses limites que transformam para qualquer realizador de audiovisual ou de cinema propriamente dito.

O cineasta Teddy Falcão conta que a caminhada pelo audiovisual acreano é profundamente atravessada pelo desejo de partilhar e pelo compromisso com a memória coletiva. Um dos pilares dessa trajetória é o cineclubismo: “Há 15 anos, junto com um grupo de amigos, mantemos o Cineclube Opiniões, espaço de exibição e debate que sempre acreditou no poder do cinema como ferramenta de formação crítica e afeto. É ali que muitas ideias nasceram, muitos encontros aconteceram, e muita gente viu um filme pela primeira vez na vida”, afirmou.

Cine Clube Opiniões acontece na Filmoteca em Rio Branco. Cineclube é uma associação sem fins lucrativos que estimula os seus membros a ver, discutir e refletir sobre o cinema. O cineclubismo surgiu nos anos 20 do século XX na França. No Brasil, surgiu em 1929 com o Cineclube ChaplinClub no Rio de Janeiro. Foto: cedida/Cine Clube Opiniões

Outro marco fundamental na caminha de Falcão, é a produção do filme Acre Negro, que está em fase de finalização. O projeto se propõe a contar a história dos negros no estado. Histórias que quase nunca aparecem, mas que foram e são centrais para a construção social acreana. O longa metragem tem sido uma travessia intensa, de escuta e reconexão.

Formada em publicidade e propaganda em São Paulo, Isabelle Amsterdam cursou também cinema na Usina de Arte João Donato, de 2007 a 2009, e foi nessa oportunidade que a artista “revisitou” o Acre: “Eu me formei em publicidade em São Paulo, mas naquele momento pude olhar para meu lugar de existência por outro ponto de vista. Descobri que aqui era o lugar em que eu queria enraizar, que era aqui e sobre aqui que eu queria falar. Apesar de ter estado em outros lugares, eles já não me contemplavam; por mais que eu buscasse e tentasse fazer outros projetos fora daqui, como diretora e produtora, esses projetos normalmente não contemplavam muito do que eu queria falar. Acho que os temas e assuntos daqui me traziam para um lugar mais próximo da minha origem, da minha verdade.”

Teddy Falcão: “A gente não filma por vaidade: filmamos porque precisamos contar o que nunca foi contado, porque tem muita vida sendo vivida aqui que o país inteiro precisa conhecer. É um cinema que nasce do encontro entre memória, ancestralidade e desejo de futuro. E isso me move todos os dias.” Foto: cedida

“Também enfrentamos uma espécie de invisibilidade: como se o que produzimos aqui não tivesse o mesmo valor ou não fosse digno de circular nos grandes espaços de debate e exibição. Isso pesa, mas também fortalece a nossa vontade de fazer. Cada filme, cada oficina, cada sessão de cineclube que a gente realiza é uma pequena vitória contra esse cenário de negligência”, continua o cineasta.

Seiva é uma base colaborativa que decorreu de um vínculo de amizade e trabalhos no audiovisual desde 2009. Em 2024, com recursos da Lei Paulo Gustavo, e outros recursos advindos de políticas públicas nas quais as participantes estão ativamente presentes nos diálogos, a Seiva Colab Amazônica produziu muitos filmes. Foto: cedida

Para além das dificuldades de técnicas, Isabella também enfrenta as barreiras de gênero: “Os desafios, sendo mulher dentro do cinema, estão postos para todas as mulheres, não só na nossa região. Se você olhar uma pesquisa da Ancine, verá que a maior parte das cabeças de equipe ainda são homens; quem comanda as equipes são homens, em todas as regiões, e aqui não é diferente.”

Para contornar esse cenário, a artista colabora e participa do projeto Diálogos de Mercado. Espaço onde as realizadoras das capitais da região norte do país conversam sobre o mercado e o enfrentamento ao machismo sistêmico do audiovisual.

“Para nós mulheres ainda é um desafio, e é isso que encontrei e ainda encontro. Mas tentamos fortalecer essas “mulheridades” para que possamos produzir filmes, formar novos realizadores, realizadoras e também assistir a nossos conteúdos e aos de outras colegas que também realizam projetos”, afirma Isabella Amsterdam.

Isabelle Amsterdam: “Temos de batalhar muito mais para estar nessas posições de direção, fotografia, som, produção executiva.” Foto: cedida

A Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022) representa o maior investimento direto já realizado no setor cultural do Brasil e destinou R$ 3,862 bilhões para a execução de ações e projetos culturais em todo o território nacional.

Destinada a profissionais da cultura, o recurso é adquirido por meio dos entes federativos que lançam editais, prêmios ou chamamentos públicos que podem ser acessados pelos profissionais de cultura.

Administrada pelo Ministério da Cultura (MIC), a LPG foi instituída pela Lei Complementar nº 195/2022, e a execução foi regulamentada e ajustada em 18 de dezembro de 2023, pela Lei Complementar nº 202 para garantir a distribuição eficiente dos recursos e a execução de projetos em todo o território nacional, até 31 de dezembro de 2024.

Foi uma tarde de celebração e esperança no Museu dos Povos Acreano quando o governador Gladson Cameli anunciou o maior investimento já destinado à cultura na história do Acre. Foto: Marcos Vicentti/Secom

A Lei Paulo Gustavo no Acre tem se destacado pela sólida execução e por impulsionar o setor cultural do estado. De acordo com levantamento do Ministério da Cultura, divulgado em 29 de janeiro de 2025, o Acre e seus 22 municípios aplicaram 98 %, cerca de R$ 32,5 milhões, dos recursos repassados pela Lei, com destaque para R$ 23,86 milhões destinados ao setor audiovisual e R$ 8,68 milhões para outras manifestações artísticas, como música, dança, pintura, escultura e artes digitais.

Quando se concentra apenas no repasse estadual, o índice fica ainda mais expressivo: 99,2 % do total; R$ 17,76 milhões para audiovisual e R$ 6,19 milhões para demais áreas.

No âmbito municipal, a capital Rio Branco foi o principal destaque, aplicando R$ 3,15 milhões em projetos audiovisuais e R$ 1,27 milhão em outras áreas. Outros municípios como Cruzeiro do Sul (R$ 748,19 mil), Sena Madureira (R$ 415,09 mil), Tarauacá (R$ 324,32 mil) e Feijó (R$ 282,81 mil) também fizeram uso eficiente dos recursos.

Ressaltam-se os ganhos econômicos e culturais alimentados pelas verbas: segundo a ministra da Cultura, Margareth Menezes, a Lei promove “emprego, renda e dignidade” ao injetar recursos nos municípios, estimulando a diversidade artística em todo o Acre.

Ambos os artistas, Teddy Falcão e Isabella Amsterdam, tiveram projetos aprovados na Lei Paulo Gustavo para o estado do Acre. Foto: cedida

Ambos os artistas, Teddy Falcão e Isabella Amsterdam, tiveram projetos aprovados na Lei Paulo Gustavo para o estado do Acre. Com o projeto intitulado “Desenvolvimento e manutenção do sistema multiplataforma de preservação, digitalização e acervo”, Falcão visa preservar e digitalizar o acervo audiovisual acreano. Ele afirma que é uma ação fundamental para garantir a memória do nosso cinema. Mas, além disso, o projeto permite algo ainda mais forte: a criação de um sistema que vai reunir informações sobre todo o material audiovisual já produzido no Acre.

“Com esse sistema, vamos construir uma referência inédita. Pela primeira vez, será possível localizar uma obra feita em qualquer canto do estado: seja um documentário produzido por uma escola em Tarauacá, um videoclipe gravado no Quinari ou um curta realizado em Rio Branco. Isso fortalece a identidade do cinema acreano e cria uma base concreta para pesquisadores, realizadores, estudantes e público em geral acessem esse patrimônio”, felicita Teddy.

Essa iniciativa valoriza não só a história acreana, mas também projeta o futuro do audiovisual local, ampliando a visibilidade das produções e criando condições para que o cinema do Acre ocupe, com mais força, um lugar dentro do cenário nacional.

Teddy acredita que quando se organiza e valoriza a memória audiovisual, mostra para as novas gerações que elas fazem parte de uma história; que já houve pessoas, com poucos recursos, mas com muita vontade, que pegaram uma câmera e decidiram contar o mundo a partir do próprio olhar.

Além disso, iniciativas como essa ajudam a criar referências locais. Muitas vezes, quem está começando no audiovisual só conhece os filmes de fora, de outras realidades. Quando os jovens vêem que existe um cinema feito no Acre, com a cara do acreano, isso fortalece a autoestima e desperta um desejo genuíno de continuar não copiando modelos, mas criando os próprios.

Dia de Gravação #08 do Documentário Seringueiras. Foto: cedida

Seringueiras é o nome do projeto aprovado na LPG pela Palmácea Filmes, empresa da cineasta Isabella Amsterdam. Como produtora executiva do longa, a história destaca a trajetória de vida de três seringueiras: Ivanilde Lopes da Silva, Maria Almeida Barroso e Maria Zenaide de Souza Carvalho. O objetivo da produção era trabalhar com uma equipe 89% feminina, fazer o resgate de histórias que vão além dos homens à frente dos empates e questionar: onde estavam as mulheres e quem eram essas mulheres?

O objetivo claro é de trazer à luz tanto as mulheres do passado, que estiveram à frente dos combates à destruição das florestas, quanto as novas seringueiras, mulheres que hoje protagonizam a agricultura familiar, a colheita e estão dentro da floresta. O filme está na fase de montagem e ainda passará por trilha sonora e correção de cor.

Para o cineasta Teddy Falcão, a memória é o chão onde se firma os pés para imaginar o futuro. Foto: cedida

Para o cineasta Teddy Falcão, a memória é o chão onde se firma os pés para imaginar o futuro. Ele destaca que, no Acre, um território marcado por histórias apagadas ou nunca registradas, olhar para o passado é um gesto de reconstrução. “O cinema tem esse poder de trazer à tona o que foi silenciado, de dar rosto, voz e sentido às vivências que moldam quem somos”, afirma.

Segundo o cineasta, a identidade do povo acreano está profundamente ligada à luta, à resistência, à mistura de culturas, à relação com a floresta, com os rios, com a migração, com o silêncio e com a oratória. Essa identidade vive na memória: tanto na que é contada, quanto na que ficou guardada em imagens e sons, esperando ser recuperada.

Teddy acredita que, quando um filme resgata a história de um seringueiro, de uma mulher preta que criou uma comunidade ou de uma tradição que resiste nas periferias e nos interiores, ele está dizendo: “nós somos isso também”. Para ele, o cinema se transforma em espelho e em farol. Preservar as memórias e garante que a identidade acreana continue viva e forte, sem se perder no apagamento: “Porque só quem sabe de onde veio é capaz de traçar seus próprios caminhos.”

 

Para a cineasta Isabella Amsterdam, preservar é também semear, e semear histórias significa formar novos realizadores. Foto: cedida

Para a cineasta Isabella Amsterdam, preservar é também semear, e semear histórias significa formar novos realizadores. Ela ressalta a importância da Lei Paulo Gustavo para a cadeia do audiovisual, afirmando que a medida foi fundamental para quem faz cinema no Brasil. “Teve impacto fundante: teremos obras de longa-metragem e de curta, e acredito que muitos realizadores ganharão longas com certificado de produto brasileiro (CPB)”, pontua.

Isabella explica que o CPB permite a participação em editais da ANCINE e destaca que, embora já seja possível concorrer, para disputar de fato é necessário alcançar pontuações que apenas produtoras com mais filmes certificados conseguem. Para ela, essa conquista pode representar um salto importante. “Enquanto realizadora, pode ser um salto relevante para que as produtoras consigam aprovar projetos em âmbito nacional e possamos realizar outras produções aqui”, finaliza.

Cinema acreano atravessa “um momento muito singular, que junta resistência, renovação e crescimento”, diz Teddy Falcão. Foto: cedida

Segundo o cineasta Teddy Falcão, muita gente nova tem chegado com olhares frescos, trazendo à tela temas que antes não encontravam espaço. Questões de identidade, território, racismo, juventude periférica e gênero surgem com força nas produções recentes. “Dialogando com a memória e com as histórias que vieram antes”, afirma. “O que garante continuidade sem perder o fôlego de novidade.”

Por fim, o cineasta aponta sinais concretos de crescimento: há mais projetos de formação, sessões em praças, escolas e aldeias, e um número crescente de mulheres e pessoas negras ocupando o espaço de criação. Ele vê a aprovação de iniciativas pela Lei Paulo Gustavo como reflexo desse avanço e conclui afirmando que, embora persistam desafios, “o cinema acreano está se fortalecendo, criando raízes mais profundas e, ao mesmo tempo, abrindo novas trilhas”.

Salão de Baile

O cinema no Acre está vivo, pulsando e ocupando cada vez mais espaços: das salas alternativas às praças públicas, das aldeias às universidades. A força desse movimento se revela nos festivais locais, nas oficinas de formação, nas produções independentes e na luta contínua por representatividade.

Com apoio do Governo do Estado do Acre, iniciativas como o Festival Pachamama e o Festival Transamazônico de Cinema LGBTQIAPN+ têm se consolidado como plataformas fundamentais para que cineastas locais e de outras regiões da Amazônia possam exibir seus trabalhos, formar público e manter acesa a chama da produção audiovisual no território.

Com apoio do Estado, Festival Pachamama levou cinema e ação climática à Amazônia e Andes. Foto: cedida

O Festival Pachamama: Da Floresta aos Andes, realizado em sua 14ª edição com apoio institucional do governo acreano, é uma das principais expressões desse movimento. Mais do que um evento de exibição de filmes, ele é um espaço de diálogo entre cinema e questões socioambientais urgentes, como a emergência climática, a luta pelos direitos dos povos indígenas e o futuro da Amazônia.

O festival promoveu uma intensa programação com debates, oficinas, cineclubes, painéis e encontros com realizadores de diversos países, como Peru, Bolívia, Venezuela, Chile e Equador. As ações aconteceram não apenas na capital, Rio Branco, mas também em comunidades periféricas e em espaços de educação, revelando o compromisso com a descentralização da cultura.

Festival Pachamama Da Floresta aos Andes ocorre entre 8 e 12 de outubro em cidades do Brasil, Bolívia e Peru. Foto: cedida

Outro marco desse novo ciclo do audiovisual acreano é o Festival Transamazônico de Cinema LGBTQIAPN+, que celebrou a diversidade, a arte e os direitos humanos em cinco dias de programação intensa e afetiva.

A iniciativa, que também contou com o apoio do Governo do Acre por meio da Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), promoveu mostras de filmes, rodas de conversa, apresentações culturais e oficinas, fortalecendo o protagonismo de pessoas LGBTQIAPN+ no cinema da região. A abertura do festival foi marcada por uma noite de resistência e celebração, com exibições que exaltaram a força da memória, das vivências e da representatividade.

Exibição de filmes e curtas LGBTQIAPN+ chamou atenção de membros da comunidade e simpatizantes. Foto: Ingrid Kelly/Secom

As produções independentes também têm ocupado protagonismo nesse cenário. Filmes que tratam de identidade, território, ancestralidade, meio ambiente e juventudes diversas encontram cada vez mais espaço nas telas dos festivais e nas exibições públicas promovidas com apoio do poder público. Oficinas de roteiro, fotografia, montagem e exibição, muitas delas realizadas durante os próprios festivais, têm sido fundamentais para formar novos realizadores e estimular o fortalecimento da cadeia produtiva local.

Com predominância de histórias nortistas, curtas apresentados no primeiro dia se aprofundaram em assuntos recorrentes na vivência de pessoas LGBTQIAPN+. Foto: Ingrid Kelly/Secom

Em todos esses movimentos, a representatividade aparece como eixo central. Seja ao levar filmes para as aldeias e periferias, seja ao exibir narrativas de corpos dissidentes e vozes silenciadas, o cinema feito no Acre assume um papel político e transformador. As ações de apoio do governo estadual mostram que o poder público pode e deve ser parceiro da cultura na promoção da diversidade, da memória e do direito de contar histórias.

Geni e o Zeppelim

O cinema no Acre segue se fortalecendo e ganhando visibilidade nacional. Um exemplo marcante é a produção do filme Geni e o Zepelim, que será gravado em Cruzeiro do Sul e conta com direção da renomada cineasta Anna Muylaert.

Com apoio do governo do Estado do Acre, por meio da Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), o projeto representa um marco para o audiovisual local ao inserir o estado em uma grande produção cinematográfica nacional, com potencial de movimentar a economia criativa, valorizar talentos locais e destacar a beleza e a identidade da região amazônica.

Governador Gladson Camelí e produção do filme Geni e o Zepelim que foi rodado no município de Cruzeiro do Sul. Foto: Marcos Santos/Secom.

Além disso, a equipe da produção está realizando cadastros para selecionar atores e figurantes locais, o que abre espaço para a participação da comunidade e revela o compromisso da equipe com a valorização de artistas da região.

A iniciativa reforça que há cinema no Acre, com projetos que unem talento local, incentivo público e reconhecimento nacional. Geni e o Zepelim é mais um exemplo de que o audiovisual acreano está vivo, criando oportunidades e conectando o estado com o cenário cinematográfico do Brasil.

Geni e o Zepelim tem a produção da Migdal Filmes, em coprodução com Paris Entretenimento e Globo Filmes e a distribuição pela Paris Filmes. Com direção e roteiro de Anna Muylaert, baseado na clássica canção homônima de Chico Buarque, composta em 1978. Foto: cedida

Há cinema no Acre. Existe, resiste, cresce e respira. E com cada mostra, cada oficina, cada sessão ao ar livre, reafirma que a Amazônia também é lugar de criação, de pensamento crítico e de projeção de futuros possíveis.

Celebrar o Dia do Cinema Brasileiro é também olhar para os extremos, para quem, mesmo longe dos grandes centros, faz da câmera um instrumento de memória e luta.

No Acre, o cinema não é indústria. É semente. E quem planta, sabe que um dia floresce.

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