A sociedade exige segurança e paz pública; não impunidade

Por Coronel Ulysses

Em diversas manifestações tenho insistido sobre os efeitos da absorção da teoria garantista no sistema normativo criminal do País e do consequente aumento do sentimento de impunidade propiciado por princípios que valorizam em demasia a tutela de direitos individuais em detrimento do interesse da sociedade. O tema em questão alcança importante relevância no universo das políticas criminais. É cediço que os fenômenos derivados do garantismo normativo tem alicerçado o empoderamento das organizações narco criminosas no Brasil.

Entretanto, há outro aspecto a ser destacado no ambiente de impunidade: a letargia e a complacência em relação aos delitos perpetrados por narcotraficantes em solo pátrio. Essa situação ultrapassa os limites normativos e influencia instintivamente “alguns” responsáveis pela aplicação da Lei. Esses “alguns”, muitas vezes, de certa forma, atuam com benevolência exacerbada, ao tomarem decisões que escapam ao senso de razoabilidade almejado pela sociedade. Estes, entendo, deveriam por dever de ofício transmitir às vítimas e a seus familiares o sentimento da justa justiça. No entanto, não é o que acontece. Decisões (algumas são verdadeiras aberrações) nesse sentido passaram a ser frequentes em nossos Tribunais e estampadas cotidianamente nos noticiários, periódicos e publicações da imprensa “por enquanto livre”.

Poderia simplesmente repisar os fatídicos e generosos feitos judiciais envolvendo o traficante André do Rap, mencionados em relatos recentes. Porém, trarei à baila outros julgados recentes divulgados em parcela significativa dos sítios eletrônicos disponíveis na internet. E veremos não se tratar de um ou outro caso isolado.

O Superior Tribunal de Justiça anulou condenação e soltou nesse mês de junho outro líder do PCC, Leonardo Vinci Alves de Lima, o Batatinha. O julgador arguiu na decisão ter sido ilegal a abordagem policial de integrantes da ROTA/SP. A operação resultou na apreensão de dois quilos de cocaína. Para o magistrado, os argumentos apresentados pelos policiais não consubstanciariam fundada suspeita, não justificando a abordagem realizada. E, assim, decretou a nulidade das provas obtidas e a consequente libertação de mais um criminoso.

A Justiça de Mato Grosso do Sul absolveu no mês de maio Cleberson da Luz Alves das acusações de tráfico de entorpecentes. E mandou soltá-lo. Cleberson teria confessado a posse de duas toneladas de maconha, encontradas em uma residência alugada em Campo Grande (MS). A casa não possuía nenhum mobiliário, eletrodoméstico ou qualquer outro objeto, caracterizando o ambiente como moradia. Mesmo assim, o juiz justificou sua decisão, afirmando que “os policiais desrespeitaram as garantias constitucionais da inviolabilidade do domicílio”. Aqui, trago um trecho da teratológica decisão:

“… denúncia anônima desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos da prática de crime não constitui fundada suspeita e não legitima o ingresso na residência”.

Frise-se. Ambos os casos versam sobre tráfico de entorpecentes, delito que se caracteriza como permanente – em que a conduta que se prolonga no tempo, e é passível de flagrante delito. A brutal inversão de valores é patente nas duas decisões. E o mais grave: desmerecem o esforço de agentes do sistema de segurança pública na apreensão de armas e drogas em poder de criminosos. E isso decorre de análises superficiais de autoridades judiciárias. Aliás, não raro, tais análises se sustentam de construção excessivamente garantista, que beneficiam indivíduos comprovadamente foras da lei.

Outo caso emblemático ocorreu na 1ª Vara Criminal do Rio Grande do Sul ao revogar a prisão preventiva de Anderson Fernandes Lemos. O preso alvejou uma policial civil com um tiro na cabeça em abril do ano passado durante operação na cidade de Rio Grande, no sul do Estado. A vítima Laline Almeida Larratea – de 36 anos – foi atingida enquanto participava da ação de combate ao tráfico de drogas. Lemos era um dos alvos. Na decisão, a magistrada entendeu que não houve intenção por parte do réu de matar a servidora. Ele teria apenas resistido à abordagem.

Decisões assim se tornaram rotina em diversas varas criminais País afora. E não podem, em hipótese alguma, ser tratadas como isoladas. Devem, sim, serem vistas como ausência de bom senso por parte daqueles que exercem o jus puniendi. O anseio da população é por segurança e paz pública, e não por impunidade. Mas não é o que se observa ao analisar muitos julgados recentes envolvendo criminosos.

A percepção que se tem dessas decisões judiciais é a de que alguns magistrados (ainda) não compreendem à risca o dever punir quem pratica atos reprováveis criminalmente. E, desse modo, contribuem decisivamente (e efetivamente) para aumentar a beligerância adotada por faccionados de organizações criminosas.

Depreende-se, ao analisar tais casos, que, além da necessidade premente de se enrijecer o atual compêndio normativo criminal, configura-se imprescindível que membros do Judiciário compreendam: o combate eficaz ao crime organizado exige que a observância de princípios garantistas na tomada de decisões não afete a paz pública, o bem-estar da sociedade e, por consequência, contribua para disseminar ainda mais bordão “o crime compensa”.

Decisões estapafúrdias afetam a imagem da Justiça. Ademais, passam a falsa impressão de que o Judiciário poderia adotar atitudes complacentes com o crime organizado. Porém, justiça seja feita. Em três décadas em que atuei na função de gestor e operador do sistema de segurança, constatei (e conheci) diversos magistrados abnegados em promover justiça no enfrentamento ao narcotráfico.

Assim, baseado na minha experiência profissional, e, também, face à triste realidade do atual sistema criminal do País, aproveito esse espaço para conclamar os órgãos gestores do Judiciário, em especial as Cortes Superiores — STF e STJ — a uma profunda reflexão sobre os destinos da magistratura nacional. Faço esse apelo por entender ser imprescindível, necessário e urgente um maior engajamento do Judiciário no enfrentamento prioritário à criminalidade e ao narcotráfico.

É o caminho a trilhar. A sociedade se cansou da criminalidade galopante e exige respostas rápidas e eficazes.

Coronel Ulysses é deputado federal (União/AC), 2.º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, advogado especializado em Segurança Pública. Ex-comandante-geral da PMAC. Ex-CMT do BOPE/PMAC. Fundador da COE e GEFRON (SEJUSP/AC). Especialização em Gerenciamento Superior de Polícia na Lake Technical Center Institute of Public Safety na Flórida (USA) e Instrutor Master de Técnicas SWAT, Anti-Kidnap e Contraterrorismo da UNITED STATE POLICE INSTRUCTOR TEAMS (Orlando-USA)